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A Lei Henry Borel e as instituições de ensino enquanto garantidoras da criança e do adolescente.

No último dia 24 de maio, o Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, sancionou a Lei 14.344/22, batizada de “Lei Henry Borel” em homenagem à criança em tese assassinada por seu próprio padrasto, o ex-vereador carioca Dr. Jairinho, crime este que, segundo a acusação, ainda não julgada em definitivo pelo Poder Judiciário, teria contado ainda com a participação da genitora do menor. 

Caminhando no mesmo sentido de todas as conquistas legislativas levadas a efeito em favor da criança e do adolescente a partir da Constituição da República de 1988, a nova legislação reforça a figura da criança e do adolescente enquanto não apenas como sujeitos de direito, especialmente de direitos fundamentais, mas também reforça o papel das instituições de ensino, e de seus respectivos gestores, enquanto agentes garantidores daqueles que porventura sejam submetidos aos seus cuidados. 

Dessa feita, a Lei Henry Borel busca não apenas reforçar e reformar previsões legais a ela antecedentes, mas também busca inaugurar possibilidades, responsabilidades e punições em favor dos destinatários da legislação em tela. 

Já em seu art.1.º, a legislação aqui em comento assim dispõe acerca de suas intencionalidades. Vejamos: 

Art. 1º Esta Lei cria mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente, nos termos do § 8º do art. 226 e do § 4º do art. 227 da Constituição Federal e das disposições específicas previstas em tratados, convenções e acordos internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil, e altera o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), e as Leis nºs 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), 8.069, de 13 de julho de 1990, (Estatuto da Criança e do Adolescente), 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei de Crimes Hediondos), e 13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. 

Ao seu turno, o artigo 2.º da Lei Henry Borel, de forma especificada, declina o que seria, em seus termos, considerado violência doméstica familiar contra a criança e o adolescente. Vejamos: 

Art. 2º Configura violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente qualquer ação ou omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico ou dano patrimonial:

I – No âmbito do domicílio ou da residência da criança e do adolescente, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – No âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que compõem a família natural, ampliada ou substituta, por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – Em qualquer relação doméstica e familiar na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima, independentemente de coabitação.

Parágrafo único. Para a caracterização da violência prevista no caput deste artigo, deverão ser observadas as definições estabelecidas na Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017.

Já neste primeiro âmbito de análise, é possível depreender que o legislador optou, acertadamente, por um conceito ampliativo quanto ao perímetro de possível ocorrência de violência doméstica contra menores de idade, buscando evitar que eventuais “brechas da lei” pudessem beneficiar os seus agressores. 

Em tal caminhar, a legislação buscou proteger a criança e o adolescente contra todos aquele que, independentemente de coabitação com as vítimas, tenham tido com elas uma relação estável e habitual apta a ensejar uma maior reprovação em face de conduta criminosa. 

Assim sendo, com o advento do regramento aqui em apreço, os agressores, independentemente da pena a ser aplicada após julgamento pelo Poder Judiciário, passam a ficar suscetíveis à aplicação, conjunta ou isolada, das seguintes medidas: 

Art. 20. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente nos termos desta Lei, o juiz poderá determinar ao agressor, de imediato, em conjunto ou separadamente, a aplicação das seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:

I – A suspensão da posse ou a restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II – O afastamento do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima;

III – A proibição de aproximação da vítima, de seus familiares, das testemunhas e de noticiantes ou denunciantes, com a fixação do limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

IV – A vedação de contato com a vítima, com seus familiares, com testemunhas e com noticiantes ou denunciantes, por qualquer meio de comunicação;

V – A proibição de frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da criança ou do adolescente, respeitadas as disposições da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

VI – A restrição ou a suspensão de visitas à criança ou ao adolescente;

VII – A prestação de alimentos provisionais ou provisórios;

VIII – O comparecimento a programas de recuperação e reeducação;

IX – O acompanhamento psicossocial, por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio.

Como visto, coube à legislação oferecer àqueles por ela protegidos regramento protetivo similar àquele previsto na Lei 11.340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. 

Tal similaridade não se traduz em mera coincidência, ao passo que, antes do surgimento da Lei Henry Borel, diante da ausência de um regramento mais específico em favor da criança e do adolescente, a autoridade policial e o Poder Judiciário, não raras as vezes, precisavam recorrer à aplicação analógica de leis como a Lei Maria da Penha para, no caso concreto, fundamentar a adoção de medidas de proteção à vida e à integridade física da vítima não previstas sequer no Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Surgindo uma nova lei que prestigie o nascimento de novos direitos e/ou a consolidação de direitos já existentes, fato é que nasce com essa mesma lei, naturalmente, uma gama de novos deveres e responsabilidades aos atores envolvidos na temática pertinente à nova legislação. 

De igual modo, com a Lei Henry Borel, caberá às instituições de ensino, e aos seus respectivos gestores e prepostos, a observância a deveres não apenas já anteriormente existentes, mas, igualmente, a outros que tem na nova lei o seu nascedouro. 

Prova disso são os novos crimes previstos nos artigos 25 e 26 da Lei 14.344/22. Vejamos: 

Art. 25. Descumprir decisão judicial que defere medida protetiva de urgência prevista nesta Lei:

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos.

§ 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu a medida.

§ 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança.

§ 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.

Art. 26. Deixar de comunicar à autoridade pública a prática de violência, de tratamento cruel ou degradante ou de formas violentas de educação, correção ou disciplina contra criança ou adolescente ou o abandono de incapaz:

Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos.

§ 1º A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta morte.

§ 2º Aplica-se a pena em dobro se o crime é praticado por ascendente, parente consanguíneo até terceiro grau, responsável legal, tutor, guardião, padrasto ou madrasta da vítima. 

Se com a promulgação da Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) inúmeros deveres já passaram a ser impostos às instituições de ensino, como, por exemplo, a comunicação ao Conselho Tutelar de casos, suspeitos ou confirmados, de violação de direitos da criança e do adolescente, sob pena de cometimento de infração administrativa, com a nova lei, eventual omissão ou negligência das instituições de ensino na proteção de seus alunos passa a ser alçada ao patamar de crime, com pena de detenção, como já acima exposto. 

Dessa forma, mais do que nunca, mostra-se importante que toda e qualquer instituição que dedique seu atuar à proteção da criança e do adolescente tenha consigo a devida atenção aos novos mandamentos da legislação, além daqueles mandamentos aos quais tais instituições já vinham sendo submetidas. 

Para isso, a equipe do RFALP Advogados Associados estará à disposição de todos aqueles que necessitem de apoio especializado que os proteja de qualquer inadequação às legislações vigentes.